Não é apenas a abundância que faz com que um material seja largamente utilizado. As suas características físicas, químicas e mecânicas também devem ser consideradas
Willy Ank de Moraes (*)
Introdução
A maior parte dos recursos que a humanidade explora provém da crosta terrestre, cuja composição química aproximada está descrita no gráfico da Figura 1. Os recursos disponíveis na crosta terrestre têm sido utilizados pela humanidade de diversas formas. As épocas entre o ?descobrimento? e utilização dos materiais pelo homem deu nome a diferentes ciclos da civilização humana: idade da pedra, do ouro, da prata, do cobre, do bronze e, finalmente, do ferro.
O ferro, originalmente descoberto em meteoritos ferrosos (vindos do espaço sideral, daí a origem do termo ?siderurgia?), foi inicialmente produzido por processos rudimentares, semi-industriais e finalmente por processos industriais no início do século 20, conforme Araújo (2).
Até o início do século passado o aço praticamente não possuía nenhum rival em termos de material de engenharia: não existiam métodos economicamente viáveis para a produção de alumínio ou de outro material de aplicação relevante.
Com o desenvolvimento do aço e de seus vários tipos, paralelamente ao desenvolvimento de um processo industrial economicamente viável para a obtenção do alumínio, incrementa-se rapidamente a importância dos metais para a humanidade. O ápice foi atingido logo após o final da 2ª grande guerra mundial (1939-1945), quando o desenvolvimento dos polímeros industriais e cerâmicas de engenharia começaram a ganhar espaço em aplicações nas quais estes materiais são mais eficientes do que os metais. O gráfico da Figura 2 ilustra resumidamente a evolução no uso dos materiais ao longo da civilização humana, sendo obtido a partir dos dados apresentados por Ashby (3).
Apesar do volume relativo de uso dos metais esteja diminuindo lentamente nos dias de hoje, têm-se desenvolvido novos tipos de ligas metálicas e novos processos produtivos mais produtivos, baratos, eficientes e de menor impacto ambiental. Por isso, o nível de tecnologia existente hoje nos metais em geral e especialmente nos aços em particular, é muito mais avançado do que o praticado meio século atrás.
O Aço como material de Engenharia
O ferro puro é um metal que apresenta uma série de características que não atendem à maior parte das aplicações de engenharia. Porém esta situação muda quando se trabalha com a sua principal liga: o aço. O aço é a forma mais prática e econômica de se utilizar o ferro de maneira a se obter propriedades adequadas para uma larga faixa de aplicações.
O termo ?aço? pode ser definido, basicamente, conforme descrito na norma ABNT 6215:2011(4) :
Liga ferrosa que apresenta teor de carbono igual ou inferior a 2% em peso na sua forma combinada ou dissolvida e que pode conter elementos de liga adicionados ou residuais.
De acordo com o conteúdo de liga, a norma ABNT 6215:2011(4) classifica os aços em dois grandes grupos e seus respectivos subgrupos:
- Aço Carbono: aço que contém teores de silício e manganês não superiores a 0,60 e 1,65%, respectivamente e elementos de liga dentro dos seguintes limites: 0,20% Crmáx; 0,25% Nimáx; 0,065 Momáx; 0,10% Almáx; 0,0007% Bmáx e 0,35% Cumáx.
- Aço baixo carbono ? Aço carbono com teor nominal de C inferior ou igual a 0,25%;
- Aço médio carbono ? Aço carbono com teor nominal de C superior a 0,25% e inferior a 0,60%;
- Aço alto carbono ? Aço carbono com teor nominal de C superior ou igual a 0,60%.
- Aço liga: aço que contém elementos de liga, adicionados com a finalidade de conferir-lhe propriedades desejadas, em teores superiores aos estabelecidos para o aço-carbono.
- Aço baixa liga ? Aço em que a soma dos teores dos elementos de liga não ultrapassa 5%.
- Aço média liga ? Aço em que a soma dos teores dos elementos de liga está entre 5% e 12%.
- Aço alta liga ? Aço em que a soma dos teores dos elementos de liga é no mínimo 12%.
- Aço baixa liga de alta resistência (BLAR ou ARBL) ? Aço com teor de carbono inferior a 0,26 %, com teor total de elementos de liga inferior a 2,0%. Também conhecidos pela sigla em inglês: HSLA.
É comum definir aços de baixa e alta resistência. A ABNT define estes níveis de resistência mecânica como:
- Aços de Baixa Resistência (BR): aços carbono com limite de escoamento (L.E.) mínimo especificado menor que 280MPa. Nos casos onde o limite de escoamento não é especificado, consideram-se os aços com teor de manganês inferior a 1,2%.
- Aços de Alta Resistência (AR): são àqueles com limite de escoamento (L.E.) mínimo especificado maior ou igual à 280MPa. Nos casos onde este não é especificado, consideram-se os aços com teor de manganês igual ou superior a 1,2%.
A NBR 11888 especifica média resistência (MR) quando o limite de escoamento (L.E.) mínimo especificado fica entre 280MPa a 360MPa.
O aço é um material com ampla gama de aplicações(5), em diferentes setores, tais como:
- Construção civil (prédios, viadutos, torres);
- Mobilidade (automobilística, naval, ferroviária);
- Linha branca (geladeiras, fogões, lava roupas);
- Equipamentos elétricos (motores, transformadores, eletroimãs);
- Máquinas e equipamentos (engrenagens, eixos, virabrequins);
- Petroquímica (tubos, válvulas, vasos de pressão).
Porém o aço só é competitivo nestas diversas aplicações devido às suas características únicas que o torna essencial na engenharia. Essas características podem ser resumidas nos quatro seguintes itens:
- Disponibilidade: 5º elemento químico mais comum na crosta terrestre (1);
- Facilidade de produção: é o metal com maior histórico tecnológico de produção, sendo que o processo apresenta um alto desempenho e menor consumo de energia específico em relação aos demais materiais (6);
- Versatilidade e abrangência de propriedades mecânicas: tratamentos termomecânicos podem produzir variedades de aços mais resistentes, mais dúcteis ou mais tenazes, conforme as necessidades de aplicação (3);
- Grande tenacidade a fratura: é o material de engenharia que apresenta o maior valor de tenacidade à fratura entre todos os materiais existentes (3).
Vantagens Competitivas: Disponibilidade
A grande disponibilidade do ferro é uma das principais razões pelas quais é possível produzir aço com um custo baixo e, portanto, acessível. Além de abundante, existem regiões na superfície ou no subsolo da Terra que apresentam grandes concentrações de ferro, na forma de compostos químicos ou minérios. Esses locais aonde o ferro pode ser explorado são denominados, pelo jargão corrente, de jazidas.
Nas principais jazidas conhecidas de minério de ferro a extração é feita com alta produtividade. As minas de ferro não necessitam, por exemplo, de túneis para realizar a extração do minério.
O Brasil apresenta importantes jazidas de ferro nos estados de MG, PA e MS. A mais conhecida é a do ?Quadrilátero Ferrífero? região entre os Municípios de Congonhas, Mariana, Santa Bárbara e Belo Horizonte em Minas Gerais. Esta região é a principal responsável pelo abastecimento das Siderúrgicas Nacionais. Além dessa região, o Sudeste do Pará (serra de Carajás) apresenta enormes quantidades de ferro, que são largamente exportadas para diversos países, especialmente para a China.
Vantagens Competitivas: Facilidade de Produção
O gráfico da Figura 3 ilustra a quantidade de energia gasta na prática para a obtenção de diversos metais: ferro (na forma de aço), zinco, cobre, alumínio, magnésio e titânio. Destes metais, o aço é o metal (no caso liga metálica) no qual se gasta a menor quantidade de energia.
Além disso, a eficiência total energética para a produção do aço, ou seja, a razão entre a energia teórica necessária e a energia gasta na prática é de 27%, conforme disponível na literatura (6). Apesar deste valor (27%) parecer pequeno, pode-se salientar que o segundo melhor rendimento é do alumínio, com 13%.
As duas condições, disponibilidade e relativa facilidade de obtenção, fazem com que o custo do aço seja um dos mais baixos dentre os materiais empregados pela humanidade. É costumeiro o uso do preço do aço carbono comum, que é o aço mais fabricado no mundo, como referência base para a seleção de materiais para aplicação mecânica como descrito
por Ashby (3) e Callister (7).
Vantagens Competitivas: Versatilidade e abrangência de Propriedades Mecânicas
Como a grande maioria dos materiais metálicos, o ferro solidifica-se formando uma estrutura cristalina. Porém a forma que esta estrutura cristalina pode apresentar-se varia com a temperatura. Este fenômeno, conhecido como alotropia o polimorfismo, associado a outros fenômenos que ocorrem com o ferro oferece aos Engenheiros Metalúrgicos e de Materiais uma enorme gama de possibilidades com o aço.
As propriedades deste material podem ser reguladas pelo uso não apenas do carbono, seu principal elemento de liga, mas também por praticamente todos os elementos conhecidos. Como se não bastasse, um mesmo aço, com uma composição química fixa, pode apresentar vários tipos de propriedades mecânicas, físicas e mesmo químicas, dependendo de tratamentos térmicos e condições de processamento mecânico a ele impostas.
A Figura 4 ilustra um gráfico de seleção de materiais introduzido por Ashby (3) para auxiliar o processo de seleção de materiais para aplicações estruturais e/ou mecânicas. Neste gráfico são apresentados grupos de materiais, de acordo com a faixa de valores de massa específica (ou Density, em inglês) e resistência mecânica (ou Strength, em inglês) que cada categoria apresenta.
Neste gráfico está destacado o grupo das ligas ferrosas e os aços. A amplitude de resistência mecânica que o aço pode apresentar varia entre os valores de um material polimérico (plástico) até de um material cerâmico (de 100 a 2000MPa). Nenhum outro material, além do aço, apresenta uma amplitude tão grande desta propriedade.
Considerando que a resistência mecânica é a característica básica para qualquer projeto mecânico, então concluiu-se que é possível empregar o aço em várias aplicações, pois suas propriedades podem apresentar valores adequados a várias necessidades e usos estruturais.
Vantagens Competitivas: Grande Tenacidade a Fratura
O gráfico da Figura 5 é similar ao da Figura 4, também sendo de autoria de Ashby (3). Entretanto, neste gráfico a resistência mecânica (ou Strength, em inglês) está relacionada com a tenacidade a fratura (Fracture Toughness, em inglês). A tenacidade a fratura é uma característica importantíssima
para as aplicações de engenharia, pois é a resistência que um material possui em não se romper (fraturar) mesmo quando está presente um grande concentrador de tensão ou trinca. Assim, quanto maior for a tenacidade a fratura de um material, maior será a segurança no uso de um componente feito deste material, mesmo quando o material estiver submetido a condições de degradação mecânica (desgaste) ou química (corrosão).
Observando o gráfico é visível, por exemplo que o vidro (glass, em inglês), que é tipicamente um material frágil, possui uma tenacidade a fratura muito baixa, menor que 1MPa·m½. Por outro lado, os metais são os materiais de maior tenacidade a fratura daí explicando o seu uso tão difundido.
Porém, dentre todos os materiais, o aço é aquele que apresenta a maior tenacidade a fratura (de 30 a 300 MPa·m½). Neste sentido, o aço é superior a todas as outras ligas, como as de alumínio e titânio e mesmo em relação aos compósitos de fibra de carbono (CFRP, no gráfico).
Conclusão
As características únicas dos aços permitem uma amplitude de aplicações sem igual dentre os inúmeros materiais de engenharia disponíveis. Por isso, este material tem um enorme grau de importância para a humanidade.
Por estas características, o aço é o material de maior produção em nossa sociedade. Esta condição foi alcançada ao longo do século 20, conforme pode ser visto no gráfico da Figura 6. Mesmo atualmente, com a existência de novos e sofisticados materiais, o aço ainda apresenta vantagens competitivas de peso o que se percebe pela sua enorme presença cotidiana.
Referências
(1) ? HELMENSTINE, A.M.; Chemical Composition of the Earth?s Crust. Disponível em: http://chemistry.about.com/od/geochemistry/a/Chemical-Composition-Of-The-Earths-Crust.htm <Acessado em 20 de Março de 2012>.
(2) ? ARAÚJO, L.A., Manual de Siderurgia. Vols. 1 (Produção). Arte e Ciência, São Paulo, 1997.
(3) ? ASHBY, M..F; Materi-als Selection in Mechanical Design. Oxford: Butterworth Heinemann, 2nd edition, 1999.
(4) ? ABNT. NBR 6215: Produtos siderúrgicos ? Terminologia. Rio de Janeiro. 2011.
(5) ? 21st Century Foundation / Kawasaki Steel: An Introduction to Iron and Steel Processing. Disponível em: http://www.jfe-21st-cf.or.jp/index2.html. <Acesso em 04 de Janeiro de 2010>.
(6) ? YOSHIKI-GRAVELSINS, K.S.; TOGURI, J.M.; CHOO, R.T.C.; Metals Production, Energy, and the Environment, Part I: Energy Consumption. In: Journal of Materials (JOM), May, 1993.
(7) ? CALLISTER Jr., W. D. Materials Science and Engineering: An Introduction. John Wiley; 8th Edition, Dec., 2009.
(*) Doutorando, Mestre, Engº Metalurgista, Téc. em Metalurgia. Especialista em Produto da Usiminas-Cubatão, Prof. Adjunto da Faculdade de Engenharia da UNISANTA, Consultor Técnico da Inspebras e Diretor da divisão técnica ?Aplicações de Materiais? da ABM. E-mail: will-yank@unisanta.br; wil-ly.morais@usiminas.com e will-yank@inspebras.com.